quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Febre de Leis

De grande pertinência esse editorial do Globo de 17 de fevereiro. Para quem não lembra, já tratamos do assunto aqui. Está passando da hora de trazer esse debate à tona.

FEBRE DE LEIS

O Globo - Editorial

17/02/2008

A fúria legiferante brasileira é tema permanente. Não é necessário usar efemérides como os 20 anos da promulgação da Constituição - ela própria um exemplo de detalhismo inócuo do legislador - para voltar-se ao assunto. A mesma visão que permeia a Constituição de 1988 pode ser constatada a qualquer momento na vida pública do país. Se o constituinte de 87 quis até mesmo tabelar os juros na Carta, além de, por meio dela, tentar erradicar a pobreza - erro de visão cujos males afetam a economia até hoje -, o legislador e a autoridade do Executivo de 2008 não ficam atrás.

Um caso atual e pedagógico é a cruzada empreendida pelos ministérios da Saúde e da Justiça contra o consumo de álcool. Não pelos objetivos da campanha em si - um deles, afastar bebidas de quem dirige -, mas pelos instrumentos que utilizam. A primeira e única reação da autoridade diante de um problema é, na melhor tradição legiferante brasileira, baixar um decreto e/ou propor um projeto de lei ao Congresso Nacional.

Levantamento antigo, ainda do tempo do governo FH, contabilizou a existência de quase 28 mil leis - hoje, um número seguramente maior. Conclusão óbvia: não será por falta de legislação que existe insegurança nas cidades e no campo, que o trânsito é violento, e assim por diante.

Mas os governos insistem. Ao combater o alcoolismo em geral e especificamente o consumo de bebidas no trânsito, o ministro José Gomes Temporão investe contra a publicidade. Já o seu colega Tarso Genro fecha - por lei, claro - estabelecimentos comerciais à beira das estradas.

O resultado prático é que o alcoólatra continuará alcoólatra e quem quiser beber antes de pegar o volante o fará sem constrangimento. A ação do Estado, portanto, é estéril. Menos na outra ponta dessa história: comerciantes, agências de publicidade, mídia, são todos prejudicados nas suas atividades.

E por uma razão: é mais fácil para o poder público baixar novas leis do que fazer cumprir as que existem. No caso, se o Código de Trânsito Brasileiro fosse seguido, se multas efetivamente fossem lavradas e penas, cumpridas, esses problemas não existiriam.

A febre legiferante interage com a sanha intervencionista, outro viés do Estado brasileiro. E as duas, por sua vez, se potencializam numa sociedade com um pedigree de cidadania ainda pouco apurado, em que lei e imposto são sempre para o vizinho. É crucial ter-se consciência desse nó górdio, para sairmos do círculo vicioso de um Estado que legisla e que finge que fiscaliza um cidadão que finge que cumpre a lei.

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