De grande pertinência esse editorial do Globo de 17 de fevereiro. Para quem não lembra, já tratamos do assunto aqui. Está passando da hora de trazer esse debate à tona.
FEBRE DE LEIS
O Globo - Editorial
17/02/2008
A fúria legiferante brasileira é tema permanente. Não é necessário usar efemérides como os 20 anos da promulgação da Constituição - ela própria um exemplo de detalhismo inócuo do legislador - para voltar-se ao assunto. A mesma visão que permeia a Constituição de 1988 pode ser constatada a qualquer momento na vida pública do país. Se o constituinte de 87 quis até mesmo tabelar os juros na Carta, além de, por meio dela, tentar erradicar a pobreza - erro de visão cujos males afetam a economia até hoje -, o legislador e a autoridade do Executivo de 2008 não ficam atrás.
Um caso atual e pedagógico é a cruzada empreendida pelos ministérios da Saúde e da Justiça contra o consumo de álcool. Não pelos objetivos da campanha em si - um deles, afastar bebidas de quem dirige -, mas pelos instrumentos que utilizam. A primeira e única reação da autoridade diante de um problema é, na melhor tradição legiferante brasileira, baixar um decreto e/ou propor um projeto de lei ao Congresso Nacional.
Levantamento antigo, ainda do tempo do governo FH, contabilizou a existência de quase 28 mil leis - hoje, um número seguramente maior. Conclusão óbvia: não será por falta de legislação que existe insegurança nas cidades e no campo, que o trânsito é violento, e assim por diante.
Mas os governos insistem. Ao combater o alcoolismo em geral e especificamente o consumo de bebidas no trânsito, o ministro José Gomes Temporão investe contra a publicidade. Já o seu colega Tarso Genro fecha - por lei, claro - estabelecimentos comerciais à beira das estradas.
O resultado prático é que o alcoólatra continuará alcoólatra e quem quiser beber antes de pegar o volante o fará sem constrangimento. A ação do Estado, portanto, é estéril. Menos na outra ponta dessa história: comerciantes, agências de publicidade, mídia, são todos prejudicados nas suas atividades.
E por uma razão: é mais fácil para o poder público baixar novas leis do que fazer cumprir as que existem. No caso, se o Código de Trânsito Brasileiro fosse seguido, se multas efetivamente fossem lavradas e penas, cumpridas, esses problemas não existiriam.
A febre legiferante interage com a sanha intervencionista, outro viés do Estado brasileiro. E as duas, por sua vez, se potencializam numa sociedade com um pedigree de cidadania ainda pouco apurado, em que lei e imposto são sempre para o vizinho. É crucial ter-se consciência desse nó górdio, para sairmos do círculo vicioso de um Estado que legisla e que finge que fiscaliza um cidadão que finge que cumpre a lei.
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