quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Segurança no Trânsito

Amigas e amigos, compartilho com vocês mais um texto a respeito de tema que tratamos por aqui e que só tem a contribuir para o nosso debate. O texto, publicado no jornal Correio Braziliense de 21 de fevereiro de 2008, é do Doutor David Duarte Lima, professor da UnB e presidente do Instituto de Segurança no Trânsito.

Teoria e prática

David Duarte Lima

Há muito se sabe da escandalosa violência do trânsito brasileiro. Todos os anos cerca de 40 mil pessoas morrem e 500 mil ficam feridas. Após cada feriado, quando centenas de vidas ficam pelas estradas, aguardamos das autoridades, por meio da imprensa, a contabilidade funesta dos desastres. E os culpados? Como sempre, segundo a versão oficial, os motoristas.

Depois do aumento da mortalidade no último ano, além dos motoristas, encontrou-se mais um culpado: o Código de Trânsito Brasileiro. Na percepção do governo, aos 10 anos o código envelheceu. Parece fraco, ineficaz. As penalidades ali previstas não assustam mais. Diagnóstico feito, o governo federal prorrompeu em reformá-lo. Resolveu endurecer nos dois principais fatores causadores de acidentes de trânsito: o álcool e a velocidade. Para o primeiro, editou medida provisória (MP) que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos ao longo das rodovias federais.

Para os motoristas que afundam o pé no acelerador propõe uma lei que altera o código, atualizando o valor das multas e elevando a gravidade das infrações, inclusive tornando crime algumas reincidências. A MP do álcool já entrou em vigor. As alterações da lei ficarão um mês em consulta pública e depois serão encaminhadas para exame do Congresso Nacional. Na melhor das hipóteses, entrarão em vigor em um ano. Aparentemente, portanto, o governo acertou no cravo e na ferradura. Porém, um exame mais acurado das medidas mostra falhas imperdoáveis para quem deseja promover a segurança no trânsito.

A proibição da venda de bebidas às margens de rodovias foi feita de afogadilho, na urgência de dar resposta rápida a problema crônico. Como conseqüência, as imperfeições da medida são evidentes. É razoável retirar os policiais da fiscalização das rodovias para outras atividades? O Brasil é um país muito diverso, com situações extremamente variadas. Como diferenciar os supermercados próximos às rodovias? E os shoppings? Pior: qualquer motorista pode entrar 200 metros em uma cidade próxima à rodovia, ingerir bebida alcoólica e voltar a dirigir. A lista de problemas da nova regra é tão extensa quanto as dificuldades de sua aplicação.

O correto seria fiscalizar o condutor, como é feito em todo o mundo. Para isso, é preciso ter estratégia de fiscalização eficiente e inteligência nas ações. Os policiais precisam ser treinados para reconhecer um condutor com alterações no comportamento pela simples observação do modo de conduzir. A Polícia Rodoviária precisa multiplicar seus equipamentos, ter etilômetros e bafômetros e os membros permanentemente treinados e atualizados.

Inegavelmente grande parte dos desastres tem a ver com excesso de velocidade. Porém, nem tudo o que ocorre nas estradas é culpa do motorista. O estado da malha rodoviária é precário, quase impróprio para viagens. O próprio Estado reconhece sua incompetência quando coloca uma placa "Atenção: curva perigosa". Há trechos onde a ocorrência de acidentes é freqüente. Apesar do risco evidente, o Estado leva décadas para atuar. Fazer uma maquiagem na lei parece mais fácil.

Endurecer o Código de Trânsito não é a solução. Ele já é suficientemente rigoroso. Dirigir sob influência de álcool é crime. Segundo o artigo 306, essa infração dá detenção de seis meses a três anos. O infrator contumaz que atinge 20 pontos, além de multas e a obrigação de freqüentar curso de reciclagem, perde a carteira de habilitação por determinado prazo. Se voltar a dirigir no período, pode pegar de seis meses a um ano de detenção e multa. Não há notícia de aplicação desses artigos. Estimativas recentes dão conta de que todos os dias centenas de milhares de motoristas dirigem embriagados no Brasil. Alguém foi flagrado? No caso do trânsito brasileiro, um grama de ação valeria mais que uma tonelada de leis.

Para que a lei seja respeitada, é preciso haver certeza de punição. A penalidade deve ser suficientemente forte para desestimular o cometimento de infração. Não precisamos punir exemplarmente os poucos motoristas flagrados em infração. Precisamos punir todos os motoristas que cometerem infração com penalidades justas. Como sabemos, a diferença entre o remédio e o veneno pode ser a dose.

O código precisa de aperfeiçoamentos, é certo. Mas que sejam feitos sem açodamento, com a participação efetiva do Congresso Nacional e da sociedade. Por melhor que seja, se não for colocada em prática, a lei se converte em carta de boas intenções.

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