quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A consolidação da legislação como forma de acesso à cidadania

Certa vez discutia com um colega do curso de Direito sobre a clareza textual das normas. Questionados pela professora sobre a preferência em se ter leis claras e de fácil compreensão ou, de modo semelhante ao modelo atual, escritas em vocabulário difícil e com a necessidade de maior dedicação para interpretá-las, o colega defendeu a segunda posição, exclamando: "- Ah, professora, acho certo o modelo atual mesmo! Afinal, o charme do Direito está justamente no palavreado mais elaborado". Estava iniciado o nosso debate acadêmico.

Quem me conhece sabe que jamais defenderia qualquer agressão à nossa língua portuguesa. Pelo contrário, acredito que a norma culta deve ser dominada por todos, como forma de redução da desigualdade socio-cultural. Na minha visão, se a população mais pobre passasse a dominar a gramática culta, deixaria de ser facilmente intimidável pelo "palavreado difícil" dos políticos, advogados e demais doutores. A partir do momento em que você atinge a suposta superioridade intelectual do seu interlocutor, deixa de ser motivo de piada, de charge ou desprezo. Passa a ser respeitado em suas interações.

Não obstante, sou obrigado a discordar do colega que mencionei. Apesar de um vocabulário mais complexo poder ser considerado um sinal de estudo, sua utilização nas leis demanda uma interpretação que exige nível de conhecimento muito acima da média do cidadão brasileiro. E a lei diz que esse mesmo cidadão não pode alegar desconhecimento das leis para justificar alguma infração às normas vigentes no país.

Como comunicador que sou, jamais poderia apoiar um nível tão elevado de ineficiência na relação emissor-receptor, por meio de mensagens não interpretadas, escritas em código inacessível.

Se apenas o vocabulário difícil já se constitui uma barreira, imagine então, aliado a ele, o desconhecimento das normas aplicáveis aos inúmeros casos do nosso cotidiano. Com a incessante produção de normas por todas as esferas de Poder, não sabemos sequer onde começar a consulta para verificar quais as normas que devemos respeitar em determinadas situações. No entanto, devemos nos submeter a elas, sejam quais forem.

Se eu que, se Deus quiser, concluirei em breve uma graduação em Direito, não conheço todas as normas aplicáveis aos casos que examino como estudante, devendo fazer elaboradas pesquisas em jurisprudências, portarias ministeriais, resoluções de autarquias etc., o que se dirá de quem não concluiu o ensino fundamental, trabalha 8 horas por dia e cuida de uma família de 6 pessoas? A meu ver, esses brasileiros, que são a maioria, ficam excluídos do conhecimento legal necessário quando precisam defender os seus direitos ou se vêem em alguma situação regulada por norma. E aí há margem para que o cidadão não tenha como argumentar contra a autoridade do Poder Público ou para que algum particular possa tentar obter vantagem indevida.

Portanto, se houvesse esforço em todos os Poderes, principalmente o Legislativo, para em vez de produzir normas e mais normas diariamente, consolidá-las por setor e tema, tirar de vigência as que não mais se aplicam, enfim, realizar uma verdadeira revisão e agrupamento das Leis em nível federal, estadual e municipal (há ainda esse fator: temos que conhecer as Leis em todos esses níveis!), seria prestado grande serviço à cidadania dos brasileiros, principalmente dos que pertencem às camadas mais pobres da população.

Nenhum comentário: