domingo, 29 de abril de 2012

A greve na visão de um professor

A greve dos professores da rede pública do Distrito Federal tem movimentado a agenda política e midiática local, dividindo opiniões. A mobilização, que chama atenção pela adesão, duração e pela resistência dos professores - e pela forma com que os educadores vêm sendo criticados por Governo e setores da mídia - impacta diretamente na vida dos alunos das escolas públicas do Distrito Federal. 

Para demonstrar a visão dos professores sobre o tema, o professor de Sociologia da rede pública Daniel Crepaldi nos enviou esse artigo algumas informações sobre as razões e o dia a dia da greve. Vale a pena ler! O blog permanece aberto à manifestação de outros professores, Governo, alunos, sociedade. Temos certeza que todos têm muito a contribuir para ampliar esse debate.

A greve na visão de um professor

Daniel Crepaldi*

No último dia 13 de abril, completou um ano que o Governo do Distrito Federal assinou um acordo com a categoria dos professores, já na condição de Governo (não sendo mera promessa eleitoral), e não cumpriu nenhum item. Zero.

A tão polêmica greve deveria ter estourado em outubro do ano passado, mas a categoria decidiu não fazê-la para não prejudicar o final do ano dos alunos e a formatura dos estudantes de terceiro ano, o que contraria aqueles que afirmam que não temos consideração com as nossas turmas. Temos sim, e muita.

A categoria deu mais de 120 dias para o Governo cumprir o que assinou ou chamar a categoria para revisar o acordo. O GDF chamou a categoria faltando 3 dias para a assembléia, para pedir que não parássemos. O respeito que merecíamos só deu sinais de aparecer às vésperas da mobilização. Era tarde. Numa assembleia com 12 mil pessoas, no dia 8 de março, decidimos pela greve.

O governo chamou o sindicato para conversar, cerca de 5 vezes, para dizer que não tinha proposta. Mais de 30 dias depois do início da greve, o Governo fez uma proposta inicialmente considerada indecorosa pela categoria, em que incorporava uma gratificação de exclusividade (de mais ou menos 1000 reais) em 6 anos, com a primeira parcela em setembro de 2013 e a última em setembro de 2018. 

A segunda proposta veio com 110 reais de auxílio saúde e a gratificação incorporada em 4 anos. Auxílio saúde, e não plano de saúde como assinado no acordo. A quantia de 110 reais paga que plano de saúde para alguém com mais de 25 anos? 

Vale esclarecer que a gratificação já é paga e só seria incorporada, gerando um "aumento" de mais ou menos 9% no salário. Ou seja, o Governo propôs dividir 9% em 6 anos, o que certamente congelaria os salários da categoria. Inaceitável. Imoral.

Até o início da semana do dia 16 de abril, nenhum deputado distrital havia se posicionado ao lado da categoria. Ou saíram em defesa do governo ou se omitiram, até porque, nenhum deles tem como bandeira a categoria ou a educação pública de qualidade. Após 35 dias de greve, começaram a surgir parlamentares por todos os lados. A categoria sabe analisar até que ponto há oportunismo.

Como membro da categoria, afirmo que nenhum professor ou professora se sente representado pelos atuais parlamentares do DF. Quem está lá dentro sabe que a categoria é desunida e na hora de votar, o que acaba diluindo os votos, ao contrário, por exemplo, da Polícia Civil (5 distriais). A categoria hoje é formada por cerca de 38 mil pessoas. Segundo o Governo, a greve atingiu 40% do grupo.

Por lei, as greves devem deixar 30% das categorias trabalhando e o dado acima deixa claro que não há como o GDF reclamar de ilegalidade. Sua própria campanha contra a greve nos torna legais, mas o GDF sequer entrou na justiça argüindo a ilegalidade da greve. A greve não é considerada ilegal nem pelo governo. Um desembargador conhecido da categoria deu uma sentença obrigando 80% da categoria a retornar para sala de aula. Que greve se sustenta com 20% da categoria parada?

O Governo anunciou o corte de salário para intimidar a categoria. Eu, que estou desde o início, posso ter meu contracheque zerado. Toda greve de professores termina com o calendário de reposição já definido, ou seja, trabalharemos aos sábados e no recesso de julho, o que em tese tiraria a necessidade do corte. Se cortar, não há obrigatoriedade de reposição. Deixo claro que desde que entramos na greve estamos dispostos a perder dinheiro, fins de semana e recesso em busca de tratamento igualitário do GDF para com a categoria.

Hoje são 24 categorias de nível superior atuando pelo GDF. A nossa é a vigésima terceira em nível salarial. O professor é importante no discurso de toda a sociedade: dos políticos, dos jornalistas, dos nossos pais... Mas, na prática, não há valorização. Ou a sociedade passa a valorizar de verdade o professor, ou ela realmente precisa mudar o discurso.

* Daniel Crepaldi é professor de Sociologia da rede pública de Ensino do Distrito Federal.

** As opiniões  descritas nesta postagem refletem a opinião do autor do artigo, não refletindo necessariamente as opiniões do editor do blog.

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